A RESPONSABILIDADE DAS REDES SOCIAIS PELO CONTEÚDO ILÍCITO EPREJUDICIAL DISSEMINADO EM SUA PLATAFORMA: uma análise da Portaria nº351/2023, do Ministério da Justiça e Segurança Pública

Escrito por: ELISA VIANA DIAS CHAVES

No ano de 2023 foi observada uma profusão de notícias acerca dos ataques violentos nas escolas brasileiras, dentre sensacionalismo, fake news, alarmismo e notícias coerentes dos fatos, foi possível perceber que em todas as hipóteses as plataformas de redes sociais permaneceram lucrando com a disseminação do conteúdo, fosse verdadeiro ou não, sob o viés de estímulo ou não. Fato é que as redes sociais contribuíram em larga escala para a rápida propagação de tais conteúdos, sem qualquer filtragem prévia.

Em uma análise realizada pela ONG Instituto Sou da Paz (2023), acerca dos ataques violentos ocorridos em escolas no período de 2002 até o primeiro semestre de 2023, foi constatado um aumento expressivo na quantidade de ocorrências, totalizando 7 ataques apenas no primeiro semestre do ano de 2023, 6 ataques no ano de 2022, enquanto nos anos anteriores o maior número registrado foi de 3 ataques em 2019, conforme demonstra o gráfico a seguir:

O referido estudo foi realizado abrangendo o primeiro semestre do corrente ano, contudo, até a presente data foram registrados mais 2 ataques, ambos no mês de outubro, um em Poços de Caldas (MG), e outro em Sapopemba (SP), totalizando 9 ataques em 2023 (BENEDICTO, 2023, n.p). 

Em meio ao crescimento dos casos de violência nas escolas, o atual Governo se viu impelido a tomar medidas urgentes, mesmo diante das polêmicas sobre liberdade de expressão, responsabilidade por moderação de conteúdo e invasão de competência legislativa, foi publicada a Portaria nº 351/2023, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a qual busca a prevenção da disseminação de conteúdos ilícitos e prejudiciais por meio das redes sociais, dispondo sobre as medidas administrativas de responsabilização dessas plataformas.

Conforme entendimento explanado em seus considerandos, a Portaria associa a disseminação dessa espécie de conteúdo com os ataques violentos ocorridos nas escolas, na medida em que incitam o extremismo violento e glorificam os perpetradores dos atentados. Nesse norte, tais plataformas devem ser compreendidas como mediadoras de qual conteúdo será disponibilizado, sendo de sua responsabilidade a moderação tanto do tipo de conteúdo exibido, quanto do alcance que determinado assunto será capaz de alcançar, na medida em que são capazes de identificar as preferências de cada usuário (BRASIL, 2023).

Desse modo, a referida Portaria deixa claro que não há como encerrar, em um conceito de neutralidade e mera disponibilizadora de conteúdo, as redes sociais, especialmente considerando os vultosos lucros obtidos com essa espécie de conteúdo, o que claramente torna de seu interesse econômico a propagação de assuntos capazes de “viralizar”.

Por meio de uma interpretação sistemática da Constituição Federal, Marco Civil da Internet, Estatuto da Criança e Adolescente, Código de Defesa do Consumidor e Código Civil o ato administrativo em apreço foi fundamentado, de modo a responsabilizar as plataformas de redes sociais quanto à propagação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos, tendo em vista os riscos anormais e imprevisíveis a que ficam expostos os usuários ao ter contato com essa espécie de conteúdo, especialmente considerando o público hipervulnerável de crianças e adolescentes (BRASIL, 2023).

Incumbiu, portanto, à Secretaria Nacional do Consumidor – SENACON a atribuição para instauração de processo administrativo para apurar a responsabilidade das plataformas de rede social no cumprimento de seus deveres referentes à propagação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos. De modo a monitorar as ações das redes sociais nesse sentido, a Portaria prevê ainda que estas empresas forneçam relatório das medidas adotadas para evitar a propagação desses conteúdos, o atendimento das requisições a elas demandadas, o desenvolvimento de protocolos para situações de crise, deixando ainda em aberto a possibilidade de adoção de outras medidas que entender cabíveis. Cabe também à SENACON, no contexto de sua competência para o processo administrativo, requerer que as plataformas tomem medidas de avaliação e mitigação de riscos sistêmicos, considerando a previsibilidade de efeitos negativos decorrentes da disseminação  de conteúdos ilícitos.

Por sua vez, à Secretaria Nacional de Segurança Pública foi atribuído o dever de coordenar o compartilhamento dos dados de usuários das plataformas de redes sociais, de modo a viabilizar a identificação do terminal de conexão responsável pela disponibilização do conteúdo. Ficou ainda sob sua responsabilidade a criação de um banco de dados de conteúdos ilegais, de forma a facilitar a identificação de tais conteúdos pelos sistemas automatizados, utilizando-os como parâmetros para sua indisponibilidade ou remoção.

A Portaria trata ainda da possibilidade de adoção de protocolos de crise, ante a grave ameaça à segurança pública, caso em que as plataformas deverão indicar um representante para comunicação direta com as autoridades, de modo que seja viabilizada a tomada de decisões no sentido de contornar a situação de crise.

Uma das medidas adotadas pelo Governo, de modo a combater o crescimento acelerado dos ataques violentos nas escolas, foi a criação de um Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, por meio da Portaria MEC nº 1.089, de 12 de junho de 2023. Esse Grupo de Trabalho, buscou identificar possíveis causas e propor políticas de enfrentamento a essa espécie de violência, sendo tais informações sistematizadas em um relatório (BRASIL, 2023).

Do mencionado relatório destaca-se a íntima relação entre os ataques e sua articulação por meio do ambiente virtual, restando demonstrado que embora o problema seja multicausal, alguns fatores são claramente identificados como associados a sua ocorrência, dentre os quais:

  • O efeito contágio, pelo qual os indivíduos são influenciados a agir da mesma maneira que a observada em um ataque anterior, copiando determinada conduta violenta, o que frequentemente decorre da ampla divulgação, de uma abordagem inadequada dos meio de comunicação e ainda, do compartilhamento em massa das informações e imagens nas redes sociais.
  • O bullying, pelo qual o indivíduo é submetido a intimidação sistemática decorrente de violência física ou psicológica, causando-lhe sofrimento, em uma relação de desigualdade entre as partes envolvidas (BRASIL, 2015). Por sua vez, o ciberbullying decorre da mesma conduta, perpetrada no ambiente virtual, o que muitas vezes ocorre com a utilização do anonimato nas redes sociais;
  • A disseminação dos discursos de ódio nas redes sociais, bem como a interação e organização de comunidades de ódio, as quais cooptam membros e se aproveitam do anonimato para mobilizar ataques violentos;

Nesse contexto, embora no cenário brasileiro ainda não exista uma política nacional de controle e redução dos riscos decorrentes da utilização do ambiente online, o que toma maior importância ao se considerar o público hipervulnerável de crianças e adolescentes, percebe-se que a Portaria nº 351/2023, do Ministério da Justiça e Segurança Pública e a criação de um Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas foram significativos avanços na efetivação da Doutrina da Proteção Integral no ambiente virtual, na medida em que família, Estado e sociedade são diretamente responsáveis pela promoção e proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, o que evidentemente engloba a responsabilidade das plataformas de redes sociais, não obstante estas pretendam se eximir por meio da alegação de serem meras depositárias de conteúdo, e ainda sob o manto da liberdade de expressão, argumentos que não se sustentam ante ao melhor interesse da criança e a proteção absoluta que lhes é devida.

Desse modo, a entrada em vigor da Portaria, bem como a preocupação na criação do Grupo de Trabalho acima referido, mostra-se de suma importância para determinar as necessidades atuais e estabelecer formas de prevenção e repressão ao problema da violência nas escolas articulado por meio de redes sociais, devendo sempre ter em conta que a interpretação dos direitos das crianças e adolescentes deve ser efetivada em consonância com os avanços tecnológicos, de modo a garantir o melhor interesse da criança em qualquer hipótese, promovendo-se sua dignidade e seu saudável desenvolvimento.


REFERÊNCIAS:

BENEDICTO, Taba. 2023. Brasil registra 9 ataques em escolas neste ano e atinge patamar recorde; relembre casos. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-registra-9-ataques-em-escolas-neste-ano-e-atinge-patamar-recorde-relembre-casos/. Acesso em 23 nov 2023. 

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Portaria nº 351/2023. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/categorias-de-publicacoes/portarias/portaria-do-ministro_plataformas.pdf/view. Acesso em 23 nov 2023.

BRASIL. Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015. Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13185.htm. Acesso em 23 nov 2023.

BRASIL. Ministério da Educação. Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, estabelecido pela Portaria 1.089 de 12 de junho de 2023. Ataques às escolas no Brasil: análise do fenômeno e recomendações para ação governamental. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/grupos-de-trabalho/prevencao-e-enfrentamento-da-violencia-nas-escolas/resultados/relatorio-ataque-escolas-brasil.pdf. Acesso em 23 nov 2023.

INSTITUTO SOU DA PAZ. Raio-x de 20 anos de ataques a escolas no Brasil 2002-2023. Disponível em: https://soudapaz.org/wp-content/uploads/2023/05/Raio-x-ataque-a-escolas.pdf. Acesso em 23 nov 2023.

Deixe um comentário