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A RESPOSTA JURISDICIONAL DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS BRASILEIROS AOS DISCURSOS DE ÓDIO NA INTERNET: PROTEÇÃO OU VIOLAÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS GRUPOS VULNERÁVEIS?

Por Rosane Leal da Silva e Pablo Domingues

Pesquisadores do NUDI têm artigo publicado na Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, a qual possui avaliação pela CAPES nível A1.

O artigo tratou de analisar as respostas dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) do Brasil para os casos envolvendo discurso de ódio, questionando se tanto a abordagem referente à conceituação e natureza jurídica dessas práticas, quanto se as decisões evidenciavam preocupação com sua propagação na internet. Por meio de uma abordagem qualitativa e quantitativa, os pesquisadores investigaram as decisões judiciais publicadas nos sites destes Tribunais através do uso das palavras-chave “discurso de ódio” e “internet”. Em conjunto, através da análise documental do material empírico e definições literárias sobre discurso de ódio e o papel da internet como canal difusor, identificou-se a concentração de grande número de ocorrências no TRF-4, destacando-se a violência contra indígenas.

Confira o artigo na íntegra: https://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/issue/view/50

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A presença de crianças e adolescentes na internet: lançamento da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2022

Por Jackeline Prestes Maier

A pesquisa TIC Kids Online Brasil possui como “objetivo gerar evidencias sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil”. A partir da entrevista com crianças e adolescentes – de 9 a 17 anos –, os dados buscam investigar o perfil de uso da internet, às atividades realizadas por crianças e adolescentes, o uso de redes sociais, as habilidades para o uso da internet, a mediação, consumo e seus os riscos e danos. A última pesquisa lançada pelo CETIC.br, em 03 de maio de 2022, revela dados coletados entre junho a outubro de 2022, apoiados em entrevistas de 2.604 crianças e adolescentes e 2.604 pais ou responsáveis.

Sob a perspectiva da conectividade, é importante ressaltar que 96% dos usuários de 9 a 17 anos acessaram a internet todos os dias ou quase todos os dias. Merece atenção o fato de que, de acordo com os dados levantados, 56% das crianças e adolescentes nunca ou quase nunca deixam de usar a internet porque seus pais ou responsáveis controlam ou impedem o uso.

Apesar desses dados extremamente significativos, 31% dos usuários assentiram que sentem que a velocidade da internet fica ruim e 22% que ficam sem internet quando os créditos do celular acabam. Essa questão é presente principalmente quando se trata de crianças em situação de maior vulnerabilidade, sendo essas questões reportadas com maior frequência pelos usuários da classe DE.

Ainda quanto a conectividade, percebe-se que 96% dos usuários de 9 a 17 anos utilizam a internet por meio do dispositivo celular e 43% através do computador. Nota-se também o aumento do uso da televisão para o acesso a internet, com estimativa de 63% e do uso de videogame, com 24%, principalmente entre as classes sociais AB e C.

No que concerne às atividades e habilidades realizadas na internet, é possível verificar que na categoria de multimidia, 87% dos usuários alegaram acessar a internet para ouvir música online e 82% para assistir a vídeos, filmes ou séries. Já no que concerne à educação, 80% pesquisou na internet para fazer trabalhos escolares e 65% pesquisou na internet por curiosidade ou vontade própria. Por fim, no que tange à comunicação, 79% enviou mensagens instantâneas e 32% conversou por chamada de vídeos.

De acordo com a pesquisa, 86% dos usuários de 9 a 17 anos possuem perfil em rede social. Entre as principais redes de acesso estão o TikTok, Instagram e Facebook, que variam de acordo com a faixa etária da criança ou adolescente. O TikTok, por exemplo, possui maior acesso entre crianças de 11 a 12 anos, com 46%. Por outro lado, o Instagram é mais utilizado entre os usuários que possuem entre 15 a 17 anos, com 51%. O Facebook é a rede menos utilizada, com a maior porcentagem de 9%, entre os usuários de 15 a 17 anos.

É perceptível também o crescimento do uso da internet para jogos online. 57% dos usuários afirmaram que já jogaram online, não conectado com outros jogadores e 58% declaram que já jogaram online, conectado com outros jogadores. Esses dados reportam uma importante relação com os estudos realizados Sonia Livingstone e Mariya Stoilova (2021, p. 06), no que diz respeito aos “riscos de contato” e as novas formas de relacionamento de crianças e adolescentes dentro do ambiente digital, que podem levar a contatos com terceiros mal-intencionados e principalmente gerar situações de assédio sexual, perseguição, abuso sexual infantil e vigilância indesejada ou excessiva.

Em uma nova perspectiva, a pesquisa TIC Kids Online de 2022 analisou o uso da internet para saúde e bem-estar. Segundo a coleta de dados, 39% dos usuários reportaram que o uso da internet ajudou a lidar melhor com algum problema de saúde; 34% afirmaram que procuraram na internet informações sobre saúde; 30% já usaram a internet para procurar ajuda quando aconteceu algo ruim ou para conversar sobre as emoções quando se sentiram tristes; e 33% dos usuários reportaram já ter acontecido alguma coisa na internet que não gostaram, os ofenderam ou chatearam.

Aspectos relacionados às habilidades para o uso da internet também chamam atenção. A pesquisa investiga dimensões sobre habilidades operacionais, informacionais, sociais e criativas de crianças e adolescentes. 94% afirmaram saber baixar ou instalar aplicativos; 84% informaram que sabem como proteger o celular ou o tablet, com um PIN, padrão de tela, impressão digital ou reconhecimento facial; 72% declararam saber como ajustar as configurações de privacidade, como por exemplo nas redes sociais; 70% garantiram compreender como denunciar um conteúdo ofensivo relacionado a criança ou a pessoas com quem convive; 57% aduziram conseguir verificar se uma informação encontrada na internet está correta.

Percebe-se, a partir desses dados, um conhecimento maior quanto à funcionalidade da rede do que propriamente uma visão mais crítica sobre o seu uso. Essas porcentagens demonstram que, apesar da facilidade instrumental com as novas tecnologias, crianças e adolescentes, por vezes, não possuem maturidade e experiência suficientes para compreender determinadas questões, riscos e danos existentes no ambiente digital. Esses dados demonstram, mais uma vez, a importância da mediação e orientação familiar nas atividades online desenvolvidas por crianças e adolescente.

Associado ao conhecimento de conteúdos publicitários, 74% das crianças e adolescentes concordam que empresas pagam pessoas para usar seus produtos nos vídeos e conteúdo que publicam na internet. Essas estratégias, no entanto, são reconhecidas com mais facilidades pelos usuários de 15 a 17 anos (82%), sendo menor a sua identificação por crianças de 11 a 12 anos (65%).

A edição de 2022 da pesquisa incluiu em seus dados indicadores sobre a privacidade e as estratégias utilizadas por crianças e adolescente para proteção da sua privacidade na rede. A análise demonstrou que 79% dos usuários de 11 a 17 anos são cuidadosos com as informações pessoais que postam na internet. Na mesma faixa etária, 77% reportaram que só usam aplicativos ou sites que confiam, 76% afirmaram que são cuidadosos com os links de vídeos em que clicam e 73% alegaram que são cuidadosos com os convites de amizade que aceita na internet.

Em menor porcentagem, 63% informaram que só compartilham na internet coisas com amigos próximos, 58% que fornecem o mínimo de informações pessoais possível ao se registrar online e 55% que lê os termos de privacidade dos aplicativos e sites. Por fim, apenas 26% dos usuários informaram que, às vezes, cobrem a câmera do computador ou do celular com um papel ou adesivo para prevenir que sejam vistos.

Analisando os dados apresentados pela pesquisa, é inquestionável a presença de crianças e adolescentes no ambiente digital. No entanto, para além desse aspecto, já ressaltando nas pesquisas anteriores, os dados apresentados em 2022, em sua inovação, revelam as principais atividades realizadas por crianças e adolescentes, bem como suas habilidades diante das ferramentas digitais. Esse panorama representa um importante avanço para o enfrentamento dos riscos existentes no ambiente digital e para alertar os corresponsáveis pela proteção integral (família, Estado e sociedade) dos desafios existentes para proteção de crianças e adolescentes no ambiente virtual.

Os dados aqui mencionados trazem um resumo da íntegra da pesquisa mencionada, que pode ser acessada neste link. O lançamento dos dados, realizado no canal do YouTube do NIC.br, também pode ser contemplado neste link.

REFERÊNCIAS:

LIVINGSTONE, Sonia; STOILOVA, Mariya. The 4Cs: Classifying Online Risk to Children. Hamburg: Leibniz-Institut für Medienforschung Hans-Bredow-Institut (HBI); CO:RE – Children Online: Research and Evidence, 2021. Disponível em: https://www.ssoar.info/ssoar/handle/document/71817. Acesso em: 24 jan. 2023.

NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DOCENTRO REGIONAL DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO [CETIC.BR]. TICs Kids Online Brasil 2022: Principais resultados. São Paulo, 2022. Disponível em: https://cetic.br/media/analises/tic_kids_online_brasil_2022_principais_resultados.pdf. Acesso em: 03 mai. 2023.  

EVENTO – 16ª edição da International Conference on Theory and Practice of Electronic Governance (ICEGOV 2023)

O Núcleo de Direito Informacional divulga a chamada para apresentação de artigos e propostas de workshops para 16ª edição da International Conference on Theory and Practice of Electronic Governance (ICEGOV 2023).

Para mais informações sobre a conferência, por favor, acesse este link.

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Novas tecnologias, sustentabilidade e direitos sociais: estudos multidisciplinares

O NUDI divulga a obra “Novas Tecnologias, Sustentabilidade e Direitos Sociais”, organizado pelos professores Ângela Dias Mendes, Francieli Iung Izolani e Marcelo Dias Jaques.

O livro conta com um artigo escrito pelos Nudianos Luiz Henrique Silveira dos Santos, Isadora Balestrin Guterres e pela Prof. Dra. Rosane Leal, coordenadora do NUDI.

O trabalho possui como título “MOVIMENTOS AMBIENTALISTAS NA SOCIEDADE EM REDE: Fundação SOS Amazônia e as estratégias na busca por uma consciência ambiental sustentável”.

Toda a receita líquida resultante da comercialização do livro será revertida para a causa da educação infantil no Brasil.

O livro pode ser adquirido neste link.

Confira também nosso post no instagram.

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Direitos da criança e do adolescente: promovendo a interface entre as tecnologias e o direito infantoadolescente

O Núcleo de Direito Informacional convida a todos e todas para conhecer a obra “Direitos da criança e do adolescente: promovendo a interface entre as tecnologias e o direito infantoadolescente”, a ser publicada através da editora D’Plácido.

A Prof.ª Dr.ª Rosane Leal da Silva, coordenadora do NUDI, em conjunto com a nudiana Elisa Viana Dias Chaves, contribuíram com o artigo intitulado “A exposição de crianças e adolescentes aos conteúdos impróprios e ilícitos nas plataformas digitais: da promessa de proteção integral às falhas no dever de cuidado”, o qual passou a compor o quinto capítulo do livro.

Confira a o sumário e a apresentação da obra clicando neste link e garanta sua cópia adquirindo-a em pré-venda através deste link.

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Prof.ª Coordenadora do NUDI ministra palestra em curso de capacitação organizado pelo MP-BA

No dia 21 de novembro de 2022, às 14:40, a Prof.ª Coordenadora do Núcleo de Direito Informacional – NUDI, participará de curso de capacitação promovido pelo Minitério Público do Estado da Bahia, ministrando a palestra “A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA IMAGEM E OS RISCOS DO AMBIENTE DIGITAL: DA AUTOEXPOSIÇÃO NO AMBIENTE VIRTUAL AO SHARENTING”.

Maiores informações podem ser obtidas neste link e no cartaz a seguir.

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Redes sociais, discursos de ódio e moderação de conteúdo: há algo que pode ser feito?

Por Pablo Domingues de Mello

O contexto político brasileiro há anos vem sendo tomado por agressividade, violência verbal e física, e politização das massas, ainda que por vias controversas como o uso de desinformação e fake news para manipulação das massas. As violências verbais que antes eram restritas ao convívio pessoal hoje não mais encontram fronteiras ou barreiras físicas graças ao advento da internet, e em especial das redes sociais, representando essas não apenas um ambiente de potencialização de vozes silenciadas, mas, em uma dimensão negativa, a exposição de grupos socialmente vulnerabilizados a uma forma mais potente de uma violência há muito presente: o discurso de ódio.

Nesse sentido, o direito precisa tanto fornecer respostas sobre os limites da liberdade de expressão a partir de uma visão constitucional sobre a nossa Constituição Federal – parece óbvio, mas por vezes esquece-se que nosso direito é analisado a partir do nosso contexto normativo. Além, é dado ao direito, também, o dever de esclarecer qual o papel dos provedores e plataformas de redes sociais na mitigação e prevenção dos danos causados por discursos de ódio, seja no campo político, seja na afetação ao direito, intimidade e dignidade das pessoas atingidas por essa violência, direta ou indiretamente.

A partir dessas provocações, Daury Cesar Fabriz e Gabriel Heringer de Mendonça, produziram artigo científico com o objetivo de desvelar o papel das plataformas de redes sociais no combate ao discurso de ódio. O trabalho intitulado “O papel das plataformas de redes sociais diante do dever de combater o discurso de ódio no Brasil” foi publicado em 2022 na Revista da Faculdade de Direito da UFPR no volume 67, número 1, páginas 127-149. A investigação contou com uma metodologia de abordagem dedutiva a partir do emprego de um procedimento bibliográfico, com uma revisão da bibliografia, da legislação e da jurisprudência existentes sobre o tema.

O texto traça breves bases de discussão ao conceituar liberdade de expressão no ordenamento jurídico brasileiro. Aqui, a liberdade de expressão recebeu em 1988 status de direito fundamental na Constituição Federal e como tal merece e recebe atenção especial, proteção e garantia por parte do Estado a partir de um dever de abstenção (um direito negativo). Nesse sentido, partindo de uma interpretação completa da nossa Constituição Federal, percebe-se que desde 1988, ano da promulgação da Carta Magna, ela mesma já trouxe limites ao exercício da liberdade de expressão, como a criminalização do racismo, vedação ao anonimato e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Todos esses direitos em mesmo grau de igualdade: direitos fundamentais essenciais ao exercício de um Estado Democrático de Direito, pelo menos nos moldes pensados pela Constituição de 1988.

Aliás, nesses tempos turvos que vivemos, a interpretação completa da Constituição Federal tem sido tarefa hercúlea, já que grupelos fascistas e proto fascistas preferem não ver o que a Constituição diz, mas o que eles gostariam que ela dissesse. É evidente que a Constituição apesar de ser a base fundante do Estado que vivemos não encontra-se livre de crítica, tem sido criticada há anos! Entretanto, nenhuma crítica pode se basear em uma pretensão de abolição da democracia, ainda que burguesa, porque isso representa não o interesse social, mas o interesse particular de grupos golpistas que, muitas vezes, sequer sabem o que defendem.

Essa crítica pode ser exprimida a partir da leitura do texto de Daury e Gabriel, que defendem, corretamente, a inexistência de um suposto direito absoluto a liberdade de expressão. Defensores dessa linha baseiam-se em grande medida no tratamento dado pelo Estados Unidos da América sobre a liberdade de expressão, inclusive tratamento muito criticado por autores estadunidenses.

Curioso é, contudo, que a defesa por um direito absoluto à liberdade de expressão (leia-se: sem restrição alguma) parte de uma base normativa, teórico e filosófica situada em um país de contexto histórico, social e político totalmente distinto como os EUA. Entretanto, essa importação – acrítica – não se atenta nem para as diferenças entre Brasil e EUA, nem para as críticas existentes a essa doutrina nos próprios EUA, muito menos para as previsões expressas e claras da própria Constituição brasileira, que repudia qualquer noção de uma liberdade de expressão absoluta que sirva de escudo a práticas violentas como o discurso de ódio.

Qualquer análise, então, não situada em nosso contexto normativo, nossa história constitucional e social não se possui qualquer base normativa-jurídico-constitucional, mas apenas um desejo do que gostaria que fosse o direito à liberdade de expressão, não efetivamente o que ele é. Mesmo nesse prisma, em um campo filosófico, a contradição de um direito absoluto acima dos demais direitos constitucionais revela não um apreço pela liberdade irrestrita de expressão, mas por uma liberdade irrestrita de oprimir haja vista que no contexto do capitalismo burguês heterossexual, cisgênero, branco e masculinizado, as diferentes vozes encontram diferentes amplitudes, espaços de acesso e espaços de poder (Akotirene, 2018; Butler, 2021; Bibbings, 2004; Borrillo, 2016; Bonassi, 2017; Bourdieu 1989 e 2020; Biroli, 2013; de Almeida, 2018; Domingues, 2020; Flauzina, 2006 e 2014; Fanon, 2015; Foucault 2014, 2014b, 1984).

Daury e Gabriel deixam claro:

Diante de um conflito entre a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais, não é possível sustentar a prevalência daquela, de forma prévia e sem a análise dos fatos. Isso porque não existe uma hierarquia de direitos fundamentais exposta na Constituição. Logo, diante de um caso de colisão entre a liberdade de expressão e a inviolabilidade da honra/imagem/intimidade, é necessária a análise do caso concreto.

O critério de análise do caso concreto é aquele elaborado a partir da teoria defendida por Alexy (1992) e inclusive aplicado pela Suprema Corte brasileira, em casos paradigmáticos como o caso Ellwanger (HC 82.424), criminalização da homotransfobia (ADO 26 e MI 4733) e pelo Superior Tribunal de Justiça em caso como o da aplicação da Lei de Racismo (Lei 7.176/89) em caso de preconceito contra pessoas moradoras do nordeste brasileiro (REsp 1.569.850).

Faz emergir nesse contexto, e muito bem conduzido pelos autores do texto, o debate acerca do discurso de ódio e essa forma de violência representar legítima restrição do direito fundamental à liberdade de expressão. Para eles, e eu concordo, o discurso de ódio é definido por seu conteúdo, forma e tom empregado pelo emissor, assim como a motivação: “Tais características, que permeiam o discurso, permitem identificar situações de abuso do direito de liberdade de expressão, na medida em que importem em ataques a outros direitos fundamentais previstos na Constituição da República e que deterioram o ambiente democrático”. Ainda, o discurso de ódio, acrescendo, deve estar vinculado necessariamente a características pessoas(ais) da(s) vítima(s) que estejam vinculadas às estruturais sociais vulnerabilizantes apontadas pelos autores Daury e Gabriel como sendo “raça, de gênero, de orientação sexual e de origem/nacionalidade.”.

Por isso, na mesma linha do defendido pelo professor Daniel Sarmento (2006), Daury e Gabriel sustentam que a liberdade de expressão não deve comportar o discurso de ódio, pois, além do aspecto moral, o preconceito e a intolerância veiculados em seu conteúdo não contribuem para um debate racional, gerando o comprometimento da continuidade da discussão.

Resgato o que defendi acima, nem por um aspecto normativo-constitucional, nem filosófico, nem moral, a liberdade de expressão, direito fundamental tão caro a uma democracia tão jovem quanto a brasileira, pode e dever ser utilizado como escudo protetor para condutas agressivas, violentas, degradantes, desmoralizantes e que se soma aos preconceitos e discriminações estruturais e institucionais existentes na sociedade para propagar o ódio e eliminação de pessoas socialmente vulnerabilizadas.

Surge, pois, o chamado dever fundamental de combate ao discurso de ódio, uma dimensão constitucional relacionada com os direitos fundamentais. Na lógica constitucional e interpretada por Daury e Gabriel, tomando de partida os ensinamentos de Lyra et. al. (2020) os direitos fundamentais pressupõem deveres fundamentais, haja vista que qualquer direito denota “o cumprimento de ao menos um dever, tanto para os poderes públicos (deveres de proteção) como para as pessoas (deveres fundamentais)”.

Direitos e deveres fundamentais, então, apesar de sua imbricada relação, são identificáveis perante uma autonomia e marcados por uma ausência de ordem prevalente. Há, pois, um equilíbrio entre direitos e deveres fundamentais sendo esses últimos voltados para

[…] proporcionar as bases materiais para existência e funcionamento da sociedade e para a concretização dos direitos fundamentais de todos, decorrentes de uma ordem jurídica democrática, com posição de primazia normativa e controle de revisão (fundamentalidade formal), cujos conteúdos integram o estatuto da pessoa, formado por direitos e deveres fundamentais e orientado pela dignidade da pessoa humana (fundamentalidade material) (LYRA et. al, 2020, p. 69)

Assim, defendem Daury e Gabriel, a existência de um dever fundamental de atuação contra o discurso de ódio, na medida em que este gera a segregação e a discriminação de pessoas determinadas ou grupos, em uma logica de exclusão, de preconceito e de intolerância. Essa defesa decorre especialmente do direito fundamental à liberdade de expressão quanto do princípio da dignidade humana, representada nos direitos fundamentais tais como igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição Federal); igualdade de gênero (artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal); inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal) e criminalização do racismo[1] (artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal).

Por fim, a partir das provocações acima elencadas pelos autores, eles introduzem a internet como ambiente de análise do conflito entre liberdade de expressão, discursos de ódio e o dever fundamental do Estado e da sociedade civil em combater o discurso de ódio. Especialmente, os autores centram sua análise nas redes sociais, essas definidas como “um serviço ofertado na internet, no qual os indivíduos constroem seu próprio perfil (aberto ou não) e criam uma lista de outros usuários com os quais compartilham uma conexão, permitindo, assim, que eles se comuniquem entre si e que um visualize e compartilhe a lista de contatos do outro” (Boyd; Elisson, 2008, p. 211).

São, pois – as redes sociais – na palavra dos autores “empreendimentos privados, nos quais os usuários atuam como um webmaster de si mesmo, enquanto o fornecedor atua como um provedor de hospedagem e se vale do conjunto de dados divulgados pelo usuário para contratar anunciantes, que oferecem produtos de acordo com as preferências que são declaradas” (p. 137).

Como componentes da internet, responsável por criar uma sociabilidade virtual, o ciberespaço, as redes sociais são atravessadas por estruturas computacionais, tecnológicas tais como algoritmos e marcas de governança privada permeadas por interesses, valores e códigos privados. Não são dados ontológicos retirados da natureza porquanto são produtos direto da produção humana e, portanto, enviesadas.

Tratando especificamente das redes sociais, os autores trabalham a partir do contexto normativo brasileiro, resgatando as disposições do Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014), um divisor de águas na relação das plataformas de redes sociais no Brasil. Até a promulgação da lei, jurisprudência e doutrina jurídica discutiam a responsabilidade de plataformas de redes sociais, tais como Facebook, Twitter e Youtube, a respeito de conteúdos publicados em suas redes, em especial aqueles com conteúdo ilício (como o discurso de ódio). O Marco Civil da Internet normativiza e adota um posicionamento de privilégio da liberdade de expressão em detrimento de outros direitos ao assegurar, em seus artigos 18 e 19, a isenção das plataformas de responsabilidade pelo discurso divulgado por terceiros, fazendo surgir uma obrigação dela apenas após notificação judicial para tanto.

É possível perceber que as disposições contidas no Marco Civil da Internet vão de encontro com a teoria de Alexy antes apresentadas, bem como as premissas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça ao atribuir de forma prévio um privilégio maior à liberdade de expressão em detrimento de outros direitos. A partir do posicionamento apresentado anteriormente, a restrição de um direito fundamental em detrimento de outro apenas poderia ocorrer a partir da análise do caso concreto e não previamente estabelecido.

Por isso, Daury e Gabriel apontam para uma “falta de proteção gerada para a vítima” (p. 140), a qual necessita buscar o Judiciário para fazer cessar uma violação de seu direito, algo custoso porquanto depende ou da atuação da Defensoria Pública, mediante empenho de recursos públicos, ou de advogados privados, mediante empenho de valores financeiros da vítima.

Assim, com a quase desoneração do Estado na regulação da matéria, as plataformas de redes sociais, por meio de instrumentos de governança privada, regulam a comunidade através de termos celebrados pelos usuários, responsáveis por determinar quais condutas serão, ou não, aceitas (p. 141). Parte-se, pois, de uma premissa de inexistência de neutralidade das redes, diante da expressiva atuação de filtros e derrubadas de conteúdos ilícitos (contrários ao Direito) ou proibidos (contrários às normas de uso da rede social).

Representa-se esse modelo, portanto, a partir de um modelo estadunidense, de uma lógica de controle posterior, “mediante sistema de denúncias por parte dos usuários. Esse tipo de mecanismo é conhecido como flagging e, geralmente, desencadeia um processo de revisão feito por moderadores humanos” (p. 141). Esse modelo é adotado pela gigante das bigtechs, a Facebook (atual Meta), dentre outras plataformas de redes sociais.

Por meio do auxílio da tecnologia, como algoritmos, as redes sociais valem-se de mecanismos que trabalham na lógica do visível/invisível, realizando direcionamento e determinando a maior exposição de dado conteúdo, e, assim, estimulando ou não a divulgação de informações sobre certo tema. Nessa lógica, o algoritmo trabalha para identificar preferências dos usuários e, dessa forma, estimular sua navegação (p. 142). Há, ainda, uma problemática envolvendo o quê é definido como conteúdo não permitido pelas redes sociais, já que os critérios adotados pelas empresas, consequentemente pelos moderadores de conteúdo e processos de automatização, mudam e são orientados por um standard normativos aberto e vago, baseado em um complexo sistema de regras internas em um paradigma de governança privada.

Por fim, os autores chamam atenção para o que devem ser desempenhado pelas plataformas de redes sociais no combate do discurso de ódio, chamando atenção para um constitucionalismo digital (Nitrini, 2021, p. 132). Nessa perspectiva, o constitucionalismo seria atualizado para o ambiente digital, em especial a noção de eficácia horizontal de direitos fundamentais entre particulares. Além do dever fundamental de atuação contra o preconceito e a discriminação, o modelo de controle de discurso de ódio implementado pelas plataformas de redes sociais segue a ótica de negócio, como uma exigência do mercado para angariar cada vez mais usuários, por meio da necessidade de manutenção de um ambiente seguro e atraente para seus consumidores (Balkin, 2018, p. 2.022).

Reside a problemática em torno do excesso de liberdade das plataformas digitais de redes sociais em editar regras, sendo essas regras dotadas de uma falta de transparência sobre os critérios utilizados na moderação de conteúdo. Soma-se a isso a falta de um devido processo no qual o usuário bloqueado ou removido possa argumentar e tentar reverter a ação da plataforma (p. 144). Os autores concluem, então, que “o importante não é buscar anular a atuação das plataformas de redes sociais na moderação do discurso, mas sim investir no fortalecimento da relação entre Estado e empresas de infraestrutura de internet. A atuação conjunta das duas esferas é essencial para o sucesso no combate ao discurso de ódio e para a manutenção do nível necessário de liberdade de expressão.”

No estágio atual do ciberespaço, as redes sociais detêm o controle, dirigindo o poder tradicional do Estado, de modo que às empresas de redes sociais é imposta a adoção de meios rápidos e de custos menores para agir nas situações necessárias. Também não se pode perder de vista, evidente, a necessidade de atuação governamental na regulação do ciberespaço, sob pena da lógica da atividade empresarial das redes sociais ser pautada por critérios de mercado e não pelos critérios constitucionais e legais existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Partilho da ideia e solução dos autores, adicionando que o modelo de governança privada das redes sociais é importante sobretudo pensando em soluções de prevenção ao discurso de ódio. Por exemplo, por meio da tecnologia – que existe – as plataformas de redes digitais poderiam criar mecanismos de verificação de conteúdo antes da sua postagem, isto é, o usuário seria notificado antes de efetuar uma postagem sobre a possibilidade daquele conteúdo ferir direitos alheios e por consequência sofrer sanções legais e internas, das próprias diretrizes da plataforma.

É, ao meu sentir, um exemplo reformista de bom uso do algoritmo para identificar possíveis conteúdos marcados por discurso de ódio e tentar impedir a sua postagem que, se ocorrer, o usuário esteve previamente advertido das consequências legais da sua conduta.

Acredito que os problemas relacionados ao mau uso das redes sociais e a negligência do mercado e dos Estados em buscar uma real regulação do ciberespaço está muito mais relacionado a um problema estrutural, do modo de produção capitalista, do que conjuntural, ligado a uma política ou outra adotada por Estados e empresas. Entretanto, em um contexto de busca por soluções mais imediatas, acredito que a imposição por parte do Estado para que as empresas tornem públicas, claras e em linguagem acessível os termos de uso e conduta das suas plataformas, o uso de algoritmos para retirada de conteúdos ofensivo do ar, bem como a prevenção de sua postagem conforme apresentado acima, e, por fim, a refundação da responsabilização civil das empresas por danos praticados por terceiros são alguns caminhos para iniciar uma discussão mais profunda sobre a prevenção e remediação de discursos de ódio praticados nas redes sociais.

REFERÊNCIAS:

AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade? Belo Horizonte: Justificando, 2018

ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático. Tradução Luís Afonso Heck. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, v. 17, 1992.

BALKIN, Jack M. Free Speech is a triangle. Columbia Law Review, New York, v. 118, n. 7, p. 2.011-2.055, 2018.

BIBBINGS, Lois. Heterosexuality as Harm: Fitting In. HILLYARD, Paddy; PANTAZIS, CHRISTINA; TOMBS, Steve; GORDON, Dave. Beyond criminology: taking harm seriously. London: Pluto Press, 2004

BIROLI, Flávia. Autonomia e desigualdades de gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Vinhedo: Editora Horizonte, 2013

BONASSI, Brune Camilo. Cisnorma: Acordos Societários sobre o Sexo Binário e Cisgênero. 2017. 121f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/182706. Acesso em: 16 mai. 2022

BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 1a ed., 2016

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kuhner, 18a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A., 1989. Disponível em: https://nepegeo.paginas.ufsc.br/files/2018/06/BOURDIEU-Pierre.-O-poder- simb%C3%B3lico.pdf. Acesso em: 07 mai. 2022

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021

DE ALMEIDA, Silvio Luiz. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018

DOMINGUES, Pablo. O amor que não ousa dizer o nome: o discurso de ódio LGBT+fóbico e a criminalização da homotransfobia pelo Supremo Tribunal Federal. 2020. 98f. Monografia (Graduação em Direito) – Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2020

FABRIZ, Daury Cesar; MENDONÇA, Gabriel Heringer de. O papel das plataformas de redes sociais diante do dever de combater o discurso de ódio no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, v. 67, n. 1, p. 127-149, jan./abr. 2022. ISSN 2236-7284. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/83904. Acesso em: 30 abr. 2022. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v67i1.83904

FLAUZINA, Ana Luiza. As Fronteiras Raciais do Genocídio. Revista de Direito da Universidade de Brasília, vol. 1, n. 1, jan.-jun., p. 119-146, 2014

FLAUZINA, Ana Luiza. Corpo Negro Caído no Chão: O sistema penal e o projeto genocida do Estado Brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/5117. Acesso em: 27 abr. 2022

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. São Paulo: Paz e Terra, 2014

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 4a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 42a ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2014b

LYRA, J. F. D. C. et al. A era dos deveres: a necessidade de um estatuto da pessoa humana para a eficácia social dos direitos fundamentais. Revista Mexicana de Derecho Constitucional, Ciudad de México, n. 43, jul.-dic. 2020.

NITRINI, Rodrigo Vidal. Liberdade de expressão nas redes sociais: o problema jurídico da remoção de conteúdo pelas plataformas. Belo Horizonte: Dialética, 2021.

SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: https://bit.ly/388mDPK. Acesso em: 8 nov. 2022


[1] Entendendo-se, aqui, o racismo, inclusive, como dimensão da homotransfobia, protegendo assim integrantes da comunidade LGBTI+ conforme decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n.º 26 e no Mandado de Injunção n.º 4733

Em destaque

Direitos da Criança e do Adolescente em Tempos de Internet: uma produção do PPGD/UFSM

“Direitos da Criança e do Adolescente em Tempos de Internet” é o título da obra produzida a partir de diálogos e reflexões no âmbito do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Maria, sob organização da Prof.ª Dr.ª Rosane Leal da Silva, coordenadora do Núcleo de Direito Informacional – NUDI.

As produções acadêmicas que integram a obra visam, além de contribuir para o estudo, desenvolver na comunidade em geral um pensamento crítico sobre o tema.

A integra do trabalho pode ser consultada através deste link.

PLATAFORMAS DIGITAIS E INFÂNCIA: A PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO TIKTOK

Por Jackeline Prestes Maier [1]

Conforme destaca Silva (2019, p. 45), “as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são disruptivas e atingem de maneira silenciosa e lúdica a tradição intergeracional”. O uso da internet, ao romper barreiras espaço-temporais, além de impactar aspectos econômicos, culturais, educacionais e sociais, modificou a infância e adolescência, revolucionando este importante estágio de desenvolvimento. Nesse novo cenário, os ambientes digitais, naturalmente, passam a ser ocupados por crianças e adolescentes, considerados “nativos digitais” (PRENSKY, 2001, p. 02). Conforme demonstram os dados apresentados pela pesquisa TIC Kids Online Brasil (2021), 93% das crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, possuem acesso à internet. Essa porcentagem corresponde a 22,3 milhões dos usuários conectados na rede.

Dentre as atividades realizadas por infantes e adolescentes, o uso das redes sociais, conforme indica a pesquisa, é um dos serviços mais populares. Nesse sentido, pela primeira vez, o TIC Kids Online analisou a presença de crianças e adolescentes no TikTok, trazendo dados importantes a respeito da interação dos usuários menores de idade na plataforma. A pesquisa mostra que 58% da população de 9 a 17 possui um perfil no TikTok. Ademais, respectiva rede social ocupa o terceiro lugar no ranking das plataformas digitais com o maior número de perfis de crianças e adolescentes, perdendo apenas para o número de usuários do WhatsApp e Instagram. Apesar disso, os dados demonstram o TikTok é a plataforma mais utilizada pelo público infantoadolescente, sendo indicada por 34% dos usuários como a principal rede social.

Embora a pesquisa mencionada demonstre que crianças e adolescentes são parte significativa dos usuários presente no TikTok, os termos de uso da referida plataforma não incluem pessoas de até 12 anos como legítimos usuários dos seus serviços. Essa vedação, contudo, não impede a presença desse público na plataforma digital, bem como não acompanha medidas efetivas para impedir a criação de perfis destes usuários. De maneira oposta, “há indícios que demonstram que as plataformas não apenas sabem da presença de crianças e adolescentes em seus serviços, como coletam, tratam, compartilham e vendem milhões de pontos de dados que servem para publicidade personalizada” (ASOCIACIÓN POR LOS DERECHOS CIVILES; ASSOCIAÇÃO DATA PRIVACY BRASIL; INSTITUTO ALANA, 2022, p. 40).

Diante desse contexto, a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes, tema de grande relevância, ganha ainda mais importância após a entrada em vigor da Lei no 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que estabelece de forma expressa, em seu artigo 14, regras específicas para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescente, destacando proteção especial a esse grupo e a observância ao princípio do melhor interesse da criança. Em outras palavras, “isso significa que, para realizar o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, é preciso levar sempre em consideração aquilo que melhor congregue os seus respectivos interesses” (ASOCIACIÓN POR LOS DERECHOS CIVILES; ASSOCIAÇÃO DATA PRIVACY BRASIL; INSTITUTO ALANA, 2022, p. 54).

Assim, a LGPD buscou assegurar, de forma ainda mais incisiva, uma maior proteção aos dados pessoais de crianças e adolescentes. Para tanto, a referida legislação determina que o tratamento de dados pessoais de crianças deve ser realizado por meio do consentimento especifico de um ou ambos os genitores, sendo responsabilidade do controlador verificar a autenticidade do consentimento dado pelo responsável. Outro ponto importante, é que a LGPD impõe que os termos de uso das plataformas digitais sejam claros e acessíveis, considerando a capacidade cognitiva da criança e proporcionando, com facilidade, o conhecimento dos dados que serão coletados (BRASIL, 2018). Apesar da importância da previsão legal estabelecida, é necessário salientar que não há previsão de consentimento estabelecida para a proteção de adolescentes, que, apesar sua autonomia progressiva, também necessitam de proteção especial.

O Instituo Alana, juntamente com o seu programa Criança e Consumo, solicitou ao TikTok informações em relação ao uso da rede social por crianças e adolescentes, com o objetivo de compreender os termos de uso e política de privacidade relacionadas à infância e adolescente, bem como a intenção de propor recomendações e estabelecer uma proteção adequada às crianças e adolescentes no ambiente online. No documento enviado a plataforma digital, o Instituo Alana (2021, p. 01) questiona se o “TikTok pretende alterar os seus termos de uso para incluir crianças com menos de 13 anos entre os seus legítimos usuários?”. Contesta, ainda, a respeito do consentimento parental para o registro de uma conta e para tratamento dos dados pessoais de crianças e adolescentes usuários da plataforma, expressamente estabelecido pela LGPD. Outra preocupação manifestada pelo Criança e Consumo no documento é em relação ao direcionamento de publicidade comportamental para crianças e a sua violação ao princípio do melhor interesse, também mencionado no caput do artigo 14 da LGPD.

Em razão da proteção especial concedida pela LGPD (BRASIL, 2019) ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, assim como em consonância a com as demais legislações acerca da temática da infância, o documento emitido pelo Instituto Alana faz recomendações as plataformas digitais, em especial ao TikTok, para proporcionar um ambiente digital seguro e protetivo para crianças e adolescentes (INSTITUTO ALANA, 2021).

Incialmente, recomenda a importância da observância ao recente Comentário nº 25, do Comitê dos Direitos, da ONU (2021). O documento, ratificado pelo Brasil, fornece diretrizes às empresas que exploram o ambiente digital e fornecem serviços ao público infantoadolescente, trazendo importante considerações quanto ao setor empresarial, especificamente no seu Item 35, que determina: “as empresas devem respeitar os direitos das crianças e prevenir e remediar o abuso de seus direitos em relação ao ambiente digital”, sendo que, para tanto, “Estados Partes têm a obrigação de assegurar que as empresas cumpram essas responsabilidades” (ORGANIZAÇÃO…, 2021, p. 07).

Aconselha, ainda, a “adoção da premissa “Direitos da Criança por Design” (Children’s-Rights-by-Design)” (INSTITUO ALANA, 2021, p. 08). Em outras palavras, o Instituo Alana recomenda um design especifico para o desenvolvimento de qualquer produto ou serviço online que preste serviços direcionados ao público infantoadolescente, com a adoção de métodos, mecanismos de interação, utilização de algoritmos e demais mecanismos de acordo com os parâmetros legais estabelecidos e recomendados para infância. Em razão da LGPD não estabelecer critérios para aplicação do consentimento parental, é dever das plataformas digitais, enquanto encarregados pela Proteção Integral [2], disponibilizar alternativas, claras e acessíveis, para o efeito fornecimento do consentimento.

Aliado a essas recomendações, o Instituo Alana (2021, p. 10) ressalta a importância da “elaboração de campanhas para divulgação da política de privacidade e termos de uso do aplicativo, em atenção ao disposto no artigo 14, §6º da Lei Geral de Proteção de Dados”. Acredita-se que, somente por meio da educação digital voltada aos genitores, responsáveis e aos próprios adolescentes, com adequada comunicação, será possível estabelecer uma proteção adequada a crianças e adolescentes no ambiente online. Assim, “apesar de as informações estarem disponíveis para os usuários, (…) iniciativas de aumento da visibilização de tais documentos podem aumentar o uso adequado e seguro do serviço, impactando positivamente na experiência de todos os usuários (INSTITUO ALANA, 2021, p. 11).

REFERÊNCIAS

ASOCIACIÓN POR LOS DERECHOS CIVILES; ASSOCIAÇÃO DATA PRIVACY BRASIL; INSTITUTO ALANA, 2022. Dados e direitos na infância e adolescência no ambiente digital: caminhos para a proteção jurídica no Brasil e na Argentina. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.dataprivacybr.org/wp-content/uploads/2022/07/Dados-e-direitos-na-infancia-e-adolescencia-no-ambiente-digital_VF-ACES.pdf. Acesso em: 20 set. 2022.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 set. 2022.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 20 set. 2022.

CGI. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da informação. TICs Kids Online Brasil. 2021. Disponível em: https://cetic.br/pesquisa/kids-online/. Acesso em: 16 set. 2022.

DA SILVA, Rosane Leal. Ana Luz, a menina dos dedinhos mágicos: encontro entre a ficção e o Direito para pensar a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes na internet. In. VERONESE, Josiane Rose Petry; LEAL, Rosane da Silva (Orgs). Crianças e seus direitos: entre violações e desafios. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.

INSTITUTO ALANA, 2021. Pedido de informações e recomendações para a garantia do melhor interesse das crianças e adolescentes em relação ao uso da rede social TikTok. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2021/09/1082021-carta-tiktok.pdf. Acesso em: 20 set. 2022.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital. ONU, 2021. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/biblioteca/comentario-geral-n-25/. Acesso em: 20 set. 2022.

PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants. MCB University Press, Vol. 9, No. 5, October 2001. Disponível em: http://www.lablearning.eu/documents/doc_inspiration/prensky/digital_natives_digital_immigrants.pdf. Acesso em: 20 set. 2022.


[1] Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (PPGD/UFSM), na linha de pesquisa “Direitos na Sociedade em Rede: atores, fatores e processo na mundialização”. Pós-Graduada em Direito Digital pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Pesquisadora no Núcleo de Direito Informacional (NUDI/UFSM). E-mail: jackelinepmaier@gmail.com.

[2] Art. 227 da Constituição Federal de 1988: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988).

DEMOCRACIA Y EL IMPACTO DE LAS NUEVAS TECNOLOGIAS, DESDE UNA VISION INTERDISCIPLINARIA

Por Romina Florencia Cabrera

Nota de opinion

INTRODUCCIÓN

La palabra democracia proviene de la fusión de dos términos del griego antiguo, ya que tuvo su origen en la polis Atenas, la ciudad- estado propulsora de la misma, en contraposición a Esparta, la propulsora del autoritarismo y coactora de la libertad del individuo en demasía. DEMOS significa pueblo, y KRATOS gobierno: “gobierno del pueblo”.

Implica la participación del individuo en el proceso representativo, la herramienta mediante el cual el pueblo soberano de un estado ejerce su poder constituyente de elegir a sus representantes por medio del sufragio, y a dictarse su propia constitución, que según la norma hipotética de Hans Kelsen, es la ley fundamental de un pueblo, superior a los tratados y a las leyes.

Establece la delegación del poder central a provincias con autonomía, para evitar la centralización del mismo, como ocurría en el absolutismo monárquico.

La división de poderes legislativo, ejecutivo y judicial, enunciadas por el conde de Montesquieu en su libro “El espíritu de la ley”, implica el control entre los mismos, y la base para evitar también, de la manera más efectiva, la concentración del poder en una sola persona, como la figura del rey o del dictador.

Los ideales de libertad, igualdad y fraternidad que en 1789 promovieron la revolución francesa se ven reflejados en la misma, ya que apuntan a la unión de los hombres (Rousseau y su contrato social), el igual trato ante la ley y el reconocimiento de los derechos para todos los hombres, y el libre albedrío del individuo, para que se desarrolle en su máxima expresión y potencial (John  Locke), sin dañar a otro (el principio del respeto al prójimo y el abuso del derecho).

El “sentimiento constitucional”, respeto a la Ley Fundamental, la Constitución Nacional, implica el reconocimiento de las Garantías Constitucionales y los Derechos Humanos, consagrados en las Cartas Magnas, como valor y dignidad de la persona humana, establecido en la Convención de Viena.

Un Estado de Derecho, republicano y representativo, no puede lograr su objetivo, si la concepción democrática no se materializa en normas y conductas; si el soberano, el ciudadano, no toma conciencia de la importancia del ejercicio de la libertad, del respeto al prójimo,  a sus instituciones, tradiciones políticas, y sobre todo, a la Justicia y a su sistema  electoral, donde él es el protagonista de la democracia. A través del acto político del voto, decidirá la vida política de la ciudadanía.

DESARROLLO

La Democracia es un elemento esencial en la vida de todos los ciudadanos que se consideren libres dentro de una sociedad; una herramienta para lograr la cohesión de la ideas entre los individuos integrantes de una Nación, logrando satisfacer las demandas sociales en un verdadero Estado de Derecho. El ciudadano es el protagonista del proceso de selección de precandidatos y candidatos en un sistema electoral, para que posteriormente lo representen en sus derechos e intereses, y gobiernen respetando sus Garantías Constitucionales y sus Derechos Humanos, consagrados en los Tratados Internacionales e incorporados a nuestra Carta Magna, obteniendo jerarquía constitucional. 

La-democracia, concebida como  el sistema de gobierno por medio del cual el pueblo delibera y gobierna a través de sus representantes, complementada por la incorporación de la Tecnologías de la Información y de la Comunicación al servicio de misma, la participación ciudadana, la transparencia,  y el libre acceso a la información pública por parte de todos los ciudadanos, a través del campo virtual, ha tomado un auge vertiginoso en la actualidad, preparándose para los obstáculos y desafíos que enfrentará en el futuro, aunque comenzó tímidamente hace muchos años. El Gobierno Digital  permite el desarrollo del sistema democrático, incorporando la utilización de las TIC, permitiendo la interconexión y la interoperabilidad de los agentes políticos, superando la brecha digital y preservando el derecho a la intimidad. La Gobernaza electrónica facilita  el desarrollo un Gobierno Abierto, más cercano a la ciudadanía, comprometido con sus necesidades y dispuesto a brindar respuestas a las demandas sociales, con mayor celeridad.

La utilización de la tecnología en los procesos electorales, garantizaría un margen de error menor al de un ser humano al incorporarse la informática, como la utilización de tabletas  digitales en la identificación de los usuarios por parte de las autoridades de mesa, y al realizar el escrutinio, como máquinas de voto electrónico al sufragar, debidamente verificadas en su seguridad informática, (mediante la auditoría de expertos en la materia); pero todas éstas cuestiones logísticas deben estar acompañadas de una estructura de capacitación, financiamiento y voluntad política de todos los sectores, incluyendo la aceptación de la ciudadanía; ella es la soberana, allí reside la confianza de una nación en la elección de sus representantes del gobierno. Quiero recalcar la importancia de la incorporanción de veedores nacionales e internacionales en todos los centros de computo, y durante el transcurso del proceso electoral, para garantizar la trasparencia del mismo, y la participación de todos los sectores de la sociedad en el desarrollo de los comicios.

La Ciencia Política estudia  los fenómenos políticos que se manifiestan en una sociedad, la materialización de la política, los sistemas y los partidos políticos. Puede relacionarse interdisciplinariamente con otras ciencias, como la Economía, la Sociología, la Filosofía Política, la Teología Política, el Derecho Político, el Derecho Constitucional.

Norberto Bobbio propone dos acepciones para establecer el método científico: una en sentido amplio (ciencias políticas) y otro en sentido estricto (ciencia política). La primera abarcaría todos los estudios relacionados con la política desde la antigüedad hasta nuestros días, incluidos todos los filósofos y teóricos que han pensado, escrito y analizado la política .En sentido estricto, la ciencia política contemporánea nació a partir de la corriente conductista que trata de observar las actitudes de los políticos y de los ciudadanos conforme a premisas estrictamente científicas. Esta última acepción hace referencia a lo que se denomina generalmente “Ciencia política empírica”, para distinguirla de la filosofía política o teoría política normativa, la otra parte de estudio de la disciplina. En ambas acepciones, la ciencia política tiene como objeto de estudio propio al poder que se ejerce en un colectivo humano. La politología se encarga de analizar las relaciones de poder que se  encuentran inmersas en un conjunto social, sean cuales sean sus dimensiones (locales, nacionales, internacionales o a nivel mundial). El poder, entendido como capacidad de un actor social e influir sobre otros, se encuentra presente en todas las interacciones humanas, siempre que existan al menos dos actores que se interrelacionen.

CONCLUSIONES

El método inductivo o deductivo en las Ciencias Políticas está muy discutido;  una propuesta metodológica es establecer primero la evolución del concepto Democracia en términos generales, y posteriormente ir desarrollando su interacción con las Ciencias Jurídicas, especialmente con el Derecho Político, el Derecho Constitucional, los Derechos Humanos, la Filosofía del Derecho y con la Informática Jurídica. Los fenómenos tecnológicos forman parte de nuestra vida cotidiana, como los procesos electorales; por ende, ambos están interrelacionados. La multiplicidad de factores causales puede establecer la democracia como tradición política-jurídica-electoral, y por ende, como modo de vida.

En un mundo tan complicado pospandemico, sobre todo por la pérdida de confianza de la ciudadanía en los partidos políticos, defendamos la democracia como nuestro modo de  vida, que garantiza el tesoro más importante: nuestra  libertad, sobre todo con el impacto tecnológico, donde los Derechos Humanos pueden estar más expuestos a ser vulnerados.