Durante pesquisa realizada no site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no dia 13 de junho de 2018, não se identificou nenhum resultado ao se procurar as palavras-chaves “discurso de ódio”. Pesquisando o termo “racismo” no mecanismo de busca, entretanto, quinze resultados foram encontrados, sendo uma jurisprudência selecionada para análise. Desde já, cabe salientar que não se trata aqui, de fato, de um julgado em que se configura o discurso de ódio. Todavia, o caso não deixa de ser pertinente justamente por se assemelhar em muito com a temática do Observatório. Assim sendo, considerou-se adequado trazê-lo ao blog na nova sessão que se inicia, denominada “casos relacionados”.
De acordo com a ementa, o réu foi denunciado e condenado pela prática do crime de racismo, previsto no artigo 20, §1º, da Lei nº 7.716/89, por ter criado um perfil na rede social Orkut, intitulado “IMAGO MORTIS/GeStApO”, em que constava não só uma representação gráfica da cruz suástica, como também informações que faziam apologia ao nazismo. Conforme o juiz federal Leonel Ferreira, pela análise da página inicial do perfil, conjugada com as imagens, músicas, textos e os inúmeros contatos cujos nomes referem-se, primordialmente, ao nazismo, arquivados no computador do réu, não resta dúvidas de que este veiculou símbolos, ornamentos, distintivos e propagandas que utilizavam a cruz suástica para fins de divulgação do nazismo – movimento que propagava a ideia da superioridade da raça ariana, e do extermínio de povos minoritários. No acórdão, a desembargadora Cecilia Mello, que fez a relatoria do caso, cita o habeas corpus julgado pelo Ministro Moreira Alves do Supremo Tribunal Federal, que diz:
As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica (HC 82424, MOREIRA ALVES, STF).
Desse modo, considera-se, ao fazer uma interpretação hermenêutica do caso, que não pode se deixar que a liberdade de expressão se consagre em detrimento de outros direitos. Ela deve ser relativizada à medida que esbarrar em outras garantias constitucionais, sendo essencial que prevaleça sempre o princípio da dignidade da pessoa humana.
Sabe-se que, para que se configure o discurso de ódio, é necessário que se insulte, intimide ou assedie um grupo em virtude de uma determinada característica que ele possui, com o intuito de discriminar, inferiorizar, promover e incitar a violência contra esse conjunto de pessoas. Assim, embora o réu da ação não se amolde perfeitamente a esses requisitos, pois não publiciza exatamente essa incitação; é bem claro o elemento volitivo de hostilidade com relação ao povo judeu e africano, haja vista a quantidade de e-mails nazistas trocados com outras pessoas, e também de arquivos preconceituosos encontrados em seu computador. Nesse sentido, há diversas canções de cunho odioso, algo relatado pelo juiz no acórdão:
As letras das músicas possuem forte conteúdo discriminatório e algumas delas fazem referência ao nazismo, tal como a letra da música intitulada “Peste Negra, que transcrevo abaixo (fls. 246):
Negro, negro
Vê se ti manca
Cai fora do meu país
Levando junto o teu samba
Negro, negro
Sai da minha nação
Para baixar o índice de ladrão
[…] Negro, negro
Sai do meu país
Para me deixar
Mais feliz
Negro, negro
Cai na real
Ainda és primitivo é só um animal
Na minha nação
Tu não tens mais lugar
[…]Volte para a África macaco desgraçado
Não temos mais senzalas pra você vegetar” (APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010318-94.2006.4.03.6181/SP, LEONEL FERREIRA, TRF 3)
Desse modo, resta evidente que o réu possuía, de fato, não só extremo preconceito, como também uma vontade muito explícita do aniquilamento de grupos por ele inferiorizados. Entretanto, ao compartilhar conteúdos racistas, cuidava sempre para não extrapolar a linha tênue que separa os crimes contra a honra, tipificados pelo ordenamento jurídico brasileiro, do discurso de ódio. Assim sendo, não foi possível enquadrá-lo nessa última conduta, sendo ele, logo, punido pela prática do racismo.
Dessa maneira, foi o réu condenado à pena de 10 dias-multa, e a dois anos de reclusão em regime aberto, o que foi substituído por uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas filantrópicas ou assistenciais, e por uma pena de limitação de final de semana, que foi, por sua vez, modificada, após a apelação criminal, para uma pena de prestação pecuniária equivalente a 24 salários mínimos.
Inteiro teor do julgado: <https://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/317128356/apelacao-criminal-acr-103189420064036181-sp-0010318-9420064036181/inteiro-teor-317128438?ref=serp>; Acesso em 13 Jun. 2018.
REFERÊNCIAS:
(TRF-3 – ACR: 00103189420064036181 SP 0010318-94.2006.4.03.6181, Relator: JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA, Data de Julgamento: 26/01/2016, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/02/2016). Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/770347/habeas-corpus-hc-82424-rs>; Acesso em: 13 Jun. 2018.