PLATAFORMAS DIGITAIS E INFÂNCIA: A PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO TIKTOK

Por Jackeline Prestes Maier [1]

Conforme destaca Silva (2019, p. 45), “as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são disruptivas e atingem de maneira silenciosa e lúdica a tradição intergeracional”. O uso da internet, ao romper barreiras espaço-temporais, além de impactar aspectos econômicos, culturais, educacionais e sociais, modificou a infância e adolescência, revolucionando este importante estágio de desenvolvimento. Nesse novo cenário, os ambientes digitais, naturalmente, passam a ser ocupados por crianças e adolescentes, considerados “nativos digitais” (PRENSKY, 2001, p. 02). Conforme demonstram os dados apresentados pela pesquisa TIC Kids Online Brasil (2021), 93% das crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, possuem acesso à internet. Essa porcentagem corresponde a 22,3 milhões dos usuários conectados na rede.

Dentre as atividades realizadas por infantes e adolescentes, o uso das redes sociais, conforme indica a pesquisa, é um dos serviços mais populares. Nesse sentido, pela primeira vez, o TIC Kids Online analisou a presença de crianças e adolescentes no TikTok, trazendo dados importantes a respeito da interação dos usuários menores de idade na plataforma. A pesquisa mostra que 58% da população de 9 a 17 possui um perfil no TikTok. Ademais, respectiva rede social ocupa o terceiro lugar no ranking das plataformas digitais com o maior número de perfis de crianças e adolescentes, perdendo apenas para o número de usuários do WhatsApp e Instagram. Apesar disso, os dados demonstram o TikTok é a plataforma mais utilizada pelo público infantoadolescente, sendo indicada por 34% dos usuários como a principal rede social.

Embora a pesquisa mencionada demonstre que crianças e adolescentes são parte significativa dos usuários presente no TikTok, os termos de uso da referida plataforma não incluem pessoas de até 12 anos como legítimos usuários dos seus serviços. Essa vedação, contudo, não impede a presença desse público na plataforma digital, bem como não acompanha medidas efetivas para impedir a criação de perfis destes usuários. De maneira oposta, “há indícios que demonstram que as plataformas não apenas sabem da presença de crianças e adolescentes em seus serviços, como coletam, tratam, compartilham e vendem milhões de pontos de dados que servem para publicidade personalizada” (ASOCIACIÓN POR LOS DERECHOS CIVILES; ASSOCIAÇÃO DATA PRIVACY BRASIL; INSTITUTO ALANA, 2022, p. 40).

Diante desse contexto, a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes, tema de grande relevância, ganha ainda mais importância após a entrada em vigor da Lei no 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que estabelece de forma expressa, em seu artigo 14, regras específicas para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescente, destacando proteção especial a esse grupo e a observância ao princípio do melhor interesse da criança. Em outras palavras, “isso significa que, para realizar o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, é preciso levar sempre em consideração aquilo que melhor congregue os seus respectivos interesses” (ASOCIACIÓN POR LOS DERECHOS CIVILES; ASSOCIAÇÃO DATA PRIVACY BRASIL; INSTITUTO ALANA, 2022, p. 54).

Assim, a LGPD buscou assegurar, de forma ainda mais incisiva, uma maior proteção aos dados pessoais de crianças e adolescentes. Para tanto, a referida legislação determina que o tratamento de dados pessoais de crianças deve ser realizado por meio do consentimento especifico de um ou ambos os genitores, sendo responsabilidade do controlador verificar a autenticidade do consentimento dado pelo responsável. Outro ponto importante, é que a LGPD impõe que os termos de uso das plataformas digitais sejam claros e acessíveis, considerando a capacidade cognitiva da criança e proporcionando, com facilidade, o conhecimento dos dados que serão coletados (BRASIL, 2018). Apesar da importância da previsão legal estabelecida, é necessário salientar que não há previsão de consentimento estabelecida para a proteção de adolescentes, que, apesar sua autonomia progressiva, também necessitam de proteção especial.

O Instituo Alana, juntamente com o seu programa Criança e Consumo, solicitou ao TikTok informações em relação ao uso da rede social por crianças e adolescentes, com o objetivo de compreender os termos de uso e política de privacidade relacionadas à infância e adolescente, bem como a intenção de propor recomendações e estabelecer uma proteção adequada às crianças e adolescentes no ambiente online. No documento enviado a plataforma digital, o Instituo Alana (2021, p. 01) questiona se o “TikTok pretende alterar os seus termos de uso para incluir crianças com menos de 13 anos entre os seus legítimos usuários?”. Contesta, ainda, a respeito do consentimento parental para o registro de uma conta e para tratamento dos dados pessoais de crianças e adolescentes usuários da plataforma, expressamente estabelecido pela LGPD. Outra preocupação manifestada pelo Criança e Consumo no documento é em relação ao direcionamento de publicidade comportamental para crianças e a sua violação ao princípio do melhor interesse, também mencionado no caput do artigo 14 da LGPD.

Em razão da proteção especial concedida pela LGPD (BRASIL, 2019) ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, assim como em consonância a com as demais legislações acerca da temática da infância, o documento emitido pelo Instituto Alana faz recomendações as plataformas digitais, em especial ao TikTok, para proporcionar um ambiente digital seguro e protetivo para crianças e adolescentes (INSTITUTO ALANA, 2021).

Incialmente, recomenda a importância da observância ao recente Comentário nº 25, do Comitê dos Direitos, da ONU (2021). O documento, ratificado pelo Brasil, fornece diretrizes às empresas que exploram o ambiente digital e fornecem serviços ao público infantoadolescente, trazendo importante considerações quanto ao setor empresarial, especificamente no seu Item 35, que determina: “as empresas devem respeitar os direitos das crianças e prevenir e remediar o abuso de seus direitos em relação ao ambiente digital”, sendo que, para tanto, “Estados Partes têm a obrigação de assegurar que as empresas cumpram essas responsabilidades” (ORGANIZAÇÃO…, 2021, p. 07).

Aconselha, ainda, a “adoção da premissa “Direitos da Criança por Design” (Children’s-Rights-by-Design)” (INSTITUO ALANA, 2021, p. 08). Em outras palavras, o Instituo Alana recomenda um design especifico para o desenvolvimento de qualquer produto ou serviço online que preste serviços direcionados ao público infantoadolescente, com a adoção de métodos, mecanismos de interação, utilização de algoritmos e demais mecanismos de acordo com os parâmetros legais estabelecidos e recomendados para infância. Em razão da LGPD não estabelecer critérios para aplicação do consentimento parental, é dever das plataformas digitais, enquanto encarregados pela Proteção Integral [2], disponibilizar alternativas, claras e acessíveis, para o efeito fornecimento do consentimento.

Aliado a essas recomendações, o Instituo Alana (2021, p. 10) ressalta a importância da “elaboração de campanhas para divulgação da política de privacidade e termos de uso do aplicativo, em atenção ao disposto no artigo 14, §6º da Lei Geral de Proteção de Dados”. Acredita-se que, somente por meio da educação digital voltada aos genitores, responsáveis e aos próprios adolescentes, com adequada comunicação, será possível estabelecer uma proteção adequada a crianças e adolescentes no ambiente online. Assim, “apesar de as informações estarem disponíveis para os usuários, (…) iniciativas de aumento da visibilização de tais documentos podem aumentar o uso adequado e seguro do serviço, impactando positivamente na experiência de todos os usuários (INSTITUO ALANA, 2021, p. 11).

REFERÊNCIAS

ASOCIACIÓN POR LOS DERECHOS CIVILES; ASSOCIAÇÃO DATA PRIVACY BRASIL; INSTITUTO ALANA, 2022. Dados e direitos na infância e adolescência no ambiente digital: caminhos para a proteção jurídica no Brasil e na Argentina. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.dataprivacybr.org/wp-content/uploads/2022/07/Dados-e-direitos-na-infancia-e-adolescencia-no-ambiente-digital_VF-ACES.pdf. Acesso em: 20 set. 2022.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 set. 2022.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 20 set. 2022.

CGI. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da informação. TICs Kids Online Brasil. 2021. Disponível em: https://cetic.br/pesquisa/kids-online/. Acesso em: 16 set. 2022.

DA SILVA, Rosane Leal. Ana Luz, a menina dos dedinhos mágicos: encontro entre a ficção e o Direito para pensar a proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes na internet. In. VERONESE, Josiane Rose Petry; LEAL, Rosane da Silva (Orgs). Crianças e seus direitos: entre violações e desafios. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.

INSTITUTO ALANA, 2021. Pedido de informações e recomendações para a garantia do melhor interesse das crianças e adolescentes em relação ao uso da rede social TikTok. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2021/09/1082021-carta-tiktok.pdf. Acesso em: 20 set. 2022.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comentário Geral N° 25 (2021) sobre os Direitos das Crianças em relação ao ambiente digital. ONU, 2021. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/biblioteca/comentario-geral-n-25/. Acesso em: 20 set. 2022.

PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants. MCB University Press, Vol. 9, No. 5, October 2001. Disponível em: http://www.lablearning.eu/documents/doc_inspiration/prensky/digital_natives_digital_immigrants.pdf. Acesso em: 20 set. 2022.


[1] Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria (PPGD/UFSM), na linha de pesquisa “Direitos na Sociedade em Rede: atores, fatores e processo na mundialização”. Pós-Graduada em Direito Digital pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS). Pesquisadora no Núcleo de Direito Informacional (NUDI/UFSM). E-mail: jackelinepmaier@gmail.com.

[2] Art. 227 da Constituição Federal de 1988: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988).

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